ENTRE
OS CATÓLICOS, APENAS 9% AFIRMAM TER ALTERADO HÁBITOS POR CAUSA DA RELIGIÃO
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
A dona-de-casa Maria da Conceição Alves Junqueira, 39, moradora da Cohab de
Itaquera (zona leste de São Paulo), curou-se de depressão e suspendeu o álcool,
do qual virou dependente com menos de 21 anos. De quebra, parou de
"safadeza" com o cunhado que morava na mesma casa e retomou os
"deveres conjugais" com o marido. Engravidou contra todas as
expectativas (rugas escavadas no rosto crestado de nordestina dão-lhe aparência
mais velha). Agora, embala João Gabriel, três meses, no colo. "Sou uma
nova mulher", diz.
"Estava envolvida com encostos e até tentei suicídio. Uma noite, implorei
a Deus por uma chance e chorei. Na manhã seguinte, fui a um templo perto de
casa, disposta a dar minha vida ao Senhor Jesus. Veio o batismo e, depois,
passei por processo de libertação."
É sem pudor que Maria da Conceição faz o relato. "Por que me envergonharia
de contar? O precipício em que eu estava e a felicidade que tenho hoje são o
testemunho do poder de Deus."
Segundo o Datafolha, 54% dos evangélicos pentecostais respondem "sim"
à pergunta "Você já mudou algum hábito ou deixou de fazer alguma coisa por
causa de sua religião?" É gente que diz ter cortado ou reduzido a bebida,
deixado baladas e cigarro, mudado as vestimentas, parado de sair com pessoas casadas
ou vários parceiros e adotado a abstinência sexual antes do casamento.
Entre os católicos, o índice dos que dizem ter mudado de hábito é de só 9%.
Nada menos que 90% dos seguidores do papa Bento 16 confessam não ter deixado de
fazer (nem passado a fazer) algo devido à religião.
O sociólogo Ricardo Mariano, professor da PUC-RS, diz que isso ocorre porque as
igrejas evangélicas abrigam convertidos. "Uma coisa é nascer católico,
religião majoritária, filho de família católica há várias gerações. Outra é se
converter evangélico. É preciso ter distinção comportamental para sustentar um
comportamento distinto. Vem daí moralidade estrita, ascetismo e
puritanismo."
Renascimento
A conversão nas igrejas evangélicas é sintetizada no "nascer de novo"
(deixar a vida anterior), frase ao gosto de pastores em programas de TV.
"Isso tem apelo incrível sobre presidiário, prostituta, quem vive em área
devastada", diz Mariano.
A avenida do M'Boi Mirim, na altura do Jardim Ângela (região sul de São Paulo),
num sábado à tarde, mostra o "distintivo". São casais de negros e de
nordestinos vestidos com sobriedade modesta, Bíblias em capas de couro preto
nas mãos. Sem decote ou barriga de fora. Dependendo da igreja, pouca maquiagem
e pintura de cabelo até podem. Evangélico fumando é raro. Idem para a bebida.
Como grupo minoritário, ainda mais dividido em centenas de igrejas diferentes
(diz-se que há mais de mil só na capital paulista), cada uma com sua própria
hierarquia, os evangélicos acabam tendo um controle mais eficaz sobre seus
adeptos.
O filósofo Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas, cita diferença
capital entre evangélico e católico: enquanto este faz a "confissão
auricular" ao pé do ouvido do padre (e só dele), aquele faz a confissão
pública, consubstanciada no "testemunho de fé".
O resultado é que os evangélicos ficam cientes de que o sujeito A sofre com
alcoolismo, o B bate na mulher, o C é ladrão. A comunidade ajuda a controlar o
comportamento desviante, envolve-se na "salvação" e ainda oferece
rede de sociabilidade a quem a perdeu. Depois, o testemunho de conversão
reforça a fé de todos na oferta mágico-religiosa da igreja.
"O protestante é o monge interiorizado. Enquanto o monge católico é
apartado do mundo e submetido pela ordem religiosa a uma vida regrada, para os
protestantes (até os evangélicos pentecostais), o monge não está separado do
mundo, está na cabeça do fiel", diz Romano.
As diferenças espalham-se pela organização burocrática e pela arquitetura das
religiões.
"Por que a entrada de muitas igrejas têm escadarias? É para evidenciar a
hierarquia cósmica, elevando-se do rés-do-chão, onde fica o povo, em direção à
pureza do clero e de Deus." De seu lado, o templo evangélico (a maioria)
apresenta-se ao rés-do-chão. "São iguais falando para iguais e todos com
igual acesso a Deus", diz Romano.
Placas afixadas na sacristia das igrejas avisam os horários das missas. Igrejas
fecham suas portas, e padres tiram folgas (a maioria na segunda-feira). Já as
igrejas evangélicas estão sempre abertas; há obreiros na calçada e no templo,
convidando a entrar. Se o pastor tira folga, há pastores auxiliares.
Nas igrejas evangélicas, não se vê mendicância. O deputado federal Geraldo
Tenuta (DEM-SP), da bancada evangélica na Câmara e membro da Igreja Apostólica
Renascer em Cristo, diz: "Somos contra assistencialismo. A gente ensina a
pescar".
Fonte? http://www1.folha.uol.com.br