Calado e Falante eram dois irmãos gêmeos e de sua virtude principal não era preciso dizer, que o seu próprio apelido conta. Quando saíram pelo mundo, foram dar a uma fazenda de gado e com eles fez um trato o fazendeiro.
Aquele cujos negócios prosperassem mais, casaria com a sua filha, uma bonita moça, e o outro ficaria trabalhando na fazenda como seu escravo.
- Feito?
- Toque aqui, companheiro.
E assim ficaram. Durante o ano inteiro, o Falante falou, falou e falou, pelos cotovelos, contou prosa com todo o mundo e bem se vê que pouco tempo lhe restava para os negócios. Calado, agia. E calado foi fazendo seus negócios, e juntando dinheiro, até que, vencido o prazo e indo fazer as contas, o fazendeiro viu que teria um Calado como genro e um Falante como escravo.
Mas o Falante não esteve pelos autos, reclamou, e falou, falou, falou, calado ficou. Arranjou uma boa mala cheia de dobrões de cobre, e comprou o irmão. Abriu a boca só para avisar:
- Você fica aqui me ajudando, na fazenda.
Mas Falante recomeçou a falar, e tanto falou que a cunhada pediu:
- Dá um jeito nesse seu irmão. O falatório dele não me deixa sossegar.
Calado emprestou umas mercadorias, mandou selar um cavalo, deu-ao Falante, e Falante partiu. Andou, andou, andou, longe da fazenda muitas e muitas léguas, chegou a um lugar muito deserto, e saiu-lhe ao encontro um temeroso bicho de três cabeças.
- Dize-me, estrangeiro, falou o bicho. Vais me responder a três perguntas. Se o fizeres passarás a salvo.
- E se não responder? - balbuciou Falante, com medo.
- E se não responderes ai de ti. Dize lá: "Com que se parece a metade da lua? Falante retrucou.
- Responde: "Qual é o filho do teu pai e tua mãe que não é teu irmão nem tua irmã?"
Falante, nessa hora em que havia de falar, estava calado.
- E diz ainda: "O que é hoje, foi ontem e será amanhã?
- Quanto tempo me dás?
- Uma hora. Desanimado, o moço sentou-se a um lado, vigiado pelo dragão e pôs-se a chorar.
Nessa hora ouviu um "pacatá" distante de cavalo. Outro infeliz como eu, pensou, e firmando bem a vista, viu que era Calado. Com efeito, o irmão, arrependeu-se de ter mandado embora o Falante, vinha no seu encalço, para buscá-lo.
- Que tem você? perguntou ao alcançar o irmão.
- É esse bicho, - respondeu o irmão - quer que eu responda a três perguntas, e por mais que eu pense e torne a pensar, não sei responder. Só me resta morrer naquela goela horrenda.
- Pede-lhe que faça outra vez as mesmas perguntas, e eu lhe direi ou ouvido e você as responderá. Tomado de novo ânimo, pediu Falante ao dragão:
- Faz de novo as perguntas, que quero ter certeza de como decifrá-las. O dragão repetiu:
- "Com que se parece a metade da lua?"
- Com a outra metade - cochichou o Calado. E Falante falou bem alto, triunfante:
- Com a outra metade. E bum! estourou uma cabeça, dando um susto bruto no Falante. A segunda cabeça perguntou:
- Qual é o filho de teu pai e tua mãe que não é teu irmão nem tua irmã?". Novo cochicho do Calado, e Falante respondeu:
- Sou eu. A cabeça fez uma careta medonha e arrebentou. A terceira cabeça avançou e então disse:
- "O que é hoje, foi ontem e será amanhã?". Calado murmurou, no ouvido do irmão:
- É o dia.
- É o dia - repetiu o Falante, e já foi tratando de tirar a espada, e cortou de um só golpe a cabeça restante.
Mas desse dia em diante, Falante aprendeu a falar só quando era preciso.