SOVINICE
|
Era um caso singular
|
O caso de João Monteiro,
|
Capitalista aos quarenta,
|
Só procurava dinheiro,
|
Vivia sempre isolado.
|
Segregação incomum,
|
Não cultivava amizades
|
Nem tinha parente algum.
|
Emprestava, a juros altos,
|
E usando, rasteira e treta,
|
Prendia com papelada
|
Muita gente na gaveta.
|
Se alguém lhe rogasse auxílio,
|
Considerava, brigão:
|
-"Para todo petitório
|
A minha resposta é não."
|
Senhoras vinham a ele
|
Falando em beneficência,
|
Necessitavam de apoio
|
Para os irmãos em carência.
|
João dizia com sarcasmo:
|
- "Não desejo compromisso,
|
Se alguém é doente e pobre,
|
Eu nada tenho com isso ... "
|
Se um menino aparecesse,
|
Pedindo a esmola de um pão,
|
Gritava: - "Saia daqui!
|
Menino sujo é ladrão ... "
|
A mendigo que surgisse
|
Rogando-lhe algum café,
|
Exclamava, zombeteiro:
|
- "Passe bem, fique como é ... "
|
Se alguém lhe adiava os juros
|
Na data prefixada,
|
Ouvia-lhe os desaforos,
|
Sofria-lhe a mão pesada.
|
Certa noite, João em sonho
|
Viu a morte ... Parecia
|
Ver um anjo estranho e lindo
|
A dizer que o buscaria ...
|
Ele pensou na fortuna
|
Que retinha com cuidado,
|
Sobressaltou-se, chorou
|
E implorou, acabrunhado:
|
- "Grande Morte, grande dama,
|
Preciso ainda viver;
|
Deixe-me ... Venha mais tarde ..
|
Tenho muito que fazer ... "
|
Disse a Morte, brandamente:
|
- "O seu pedido é perfeito,
|
Mas o seu tempo é chegado
|
E o que se fez está feito.
|
Você me chama por grande,
|
Como se eu fosse rainha,
|
No entanto, entre as criaturas,
|
Sou fraca e pequenininha ... "
|
João acordou, assustado,
|
Vestiu-se, pôs o boné;
|
Ao calçar-se, um prego solto
|
Feriu-lhe um dedo do pé.
|
Logo, logo, o dedo inchado
|
Impunha-lhe muita dor ...
|
Fez banhos, colou emplastros,
|
Mancando foi ao doutor.
|
Mas tudo acabou, em vão ...
|
Com várias radiografias,
|
O tétano levou João
|
Simplesmente em cinco dias ..
|
Jair Parente
|